domingo, 22 de maio de 2011

Desejo,necessidade, vontade ?

Desejo, necessidade, vontade?


Dois projetos em tramitação no Congresso Nacional propõem a regulação ou proibição à publicidade dirigida a crianças menores de 12 anos. O primeiro, PLS 150/2009, de autoria do Deputado Carlos Bezerra, define restrições para a propaganda de alimentos não saudáveis, a proibição de brindes, a veiculação em programas infantis e o uso de figuras do universo infantil nos comerciais. O segundo, PL 5921/01, de autoria do Deputado Luiz Carlos Hauly, proíbe a publicidade dirigida a crianças de 12 anos incompletos, em qualquer horário e por meio de qualquer suporte de mídia.

As iniciativas, lógico, encontram forte oposição dos canais de TV, que alegam a perda de receita para custeio de programas, e do lobby das empresas de propaganda, que veem na iniciativa um retorno à censura e uma violação do direito à expressão. As empresas alegam ainda que a propaganda e a TV não tem função educadora, cabendo aos pais e à escola a orientação às crianças no sentido do que e como consumir.

Não é esta a realidade que o documentário Criança, a alma do negócio, dirigido por Estela Renner e feito em parceria como Instituto ALANA mostra, contudo. Nele chama atenção a reação de país, encurralados diante do investimento pesado que as empresas de propaganda fazem para atrair o público infantil. Um público que, de acordo com pesquisas, influencia em 80% do que se compra nas casas.

Assim, alguns se dizem vencidos pelo cansaço ao atenderem os insistentes pedidos das crianças, que ficam expostas em média a 4 horas e 50 minutos de televisão diariamente, chegando até a 8 horas nas áreas periféricas, num contato maior com a TV que com os próprios pais. Assim a subjetividade infantil é construída na sua relação coma TV e com os valores que ela prega, e não em contato com a família.

O que o documentário critica e exatamente a maneira como as propagandas apelam para o lado emocional de um faixa etária imatura para discernir o que é necessidade real e, principalmente, verdadeira em relação ao que é anunciado. Consumir se torna sinônimo de felicidade e principalmente, de inclusão.

Baudrilard, no livro A Sociedade de Consumo, já apontava o fato de nas sociedades modernas o bem estar e a felicidade terem sido substituídos pelo consumo. As relações pessoais, assim, são substituídas por relações com os objetos alvo do consumo, que garantem ao seu possuidor existência e importância dentro do grupo. Outro filósofo, Lipovestky, aponta o descarte e a obsolescência dos produtos como outro marco da modernidade.

Uma das consequências decorrentes desta relação com o consumo é classificada no documentário como estresse familiar: o desgaste dos pais em relação aos filhos na tentativa de explicar que nem desejo e necessidade não são a mesma coisa, principalmente quando estes desejos não cabem no orçamento doméstico.

Além disso, o frenesi consumista leva a outro problema: o descarte daquilo que já não serve mais. Que relação estamos construindo, então, com o meio ambiente, e o que vamos legar a gerações futuras?

A preocupação com esta geração aparece no documentário também na crítica à sua precocidade, fomentada pela mídia no intuito de formar consumidores na mais tenra idade. Comprar, e não brincar, parece ser a atividade preferida das crianças.

Outra preocupação demonstrada no documentário aparece nos projetos de lei que abrem este texto: a ingestão absurda de açúcares e gorduras pela população infantil, incentivada não só pelas propagandas, mas também pela associação dos itens de alimentação a brindes e figuras do universo dos desenhos animados, vide McLanche Feliz. Feliz mesmo fica quem consegue fidelizar as crianças a consumirem em excesso em busca de completar sua coleção.

Logicamente, o discurso do Conar e das agencias de propaganda é que já existe uma regulamentação própria, além de apontarem qualquer tentativa de legislação do tema como afronta à liberdade de expressão comercial. O que não se pode perder de vista, contudo, é a liberdade das crianças de crescerem numa sociedade que não as julga pela capacidade que têm de consumir

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